sábado, 27 de setembro de 2014

Humildade argentina

Festo, ao apresentar o caso do apóstolo Paulo a Agripa II, sendo este o último rei dos judeus, assim o fez:
“Está aqui um prisioneiro que Félix deixou. Estando eu em Jerusalém, esse tal foi acusado pelos sumos sacerdotes e senadores judeus, que pediram sua condenação. Eu lhes respondi que não é costume romano entregar um homem antes que possa confrontar-se com seus acusadores e tenha ocasião de defender-se das acusações.”(Lc. 13 15,16)
É claro que, passados dois mil anos, não se poderia exigir que os romanos continuassem a portar-se do mesmo modo. Não se lhes poderia exigir que concedessem ao acusado o direito de “confrontar-se com seus acusadores”. E não se lhes poderia pedir tanto, pois os romanos não são mais romanos, porque abandonaram a Roma Eterna de que falava Monsenhor Lefebvre, para transformá-la numa província do califado mundial e mundanista, a ser guiada por mero caudilho sul-americano.
O caso de Dom Rogelio Livieres, ex-bispo de Ciudad del Este, é o sinal de que Bergoglio, depois de assumir-se como bispo de Roma, infelizmente não aprendeu nada. Mas, o mais importante e triste, não esqueceu nada.
Do processo, grotesco episódio em que Dom Livieres foi envolvido e no qual não foi ouvido por quem o condenaria, ao que parece acusado de fazer de sua Diocese uma Diocese católica, num país conflagrado pelos muitos erros de seu clero, extrai-se só uma coisa positiva: Bergoglio pôde exibir-se sem que sua imagem passasse pelo filtro das lentes mágicas da imprensa que o idolatra, da imprensa que o incensa, dos bajuladores que o veem como aquele que salvará a Igreja dos católicos que a querem para si. Mostrou-se como é: autoritário e intolerante, que não vê obstáculos quando persegue quem dele discorda. E, para deixar claro quem é e para que veio, na semana seguinte à destituição de Dom Livieres, abre as portas do Vaticano, sagradas portas, para os delinquentes que posam de revolucionários na sofrida América do Sul.
Caiu a máscara da humildade, da serenidade, do diálogo. Diálogo que só exerce com quem católico não é, ainda que tenha de ocultar a cruz de Cristo para não ofender seu interlocutor.

Ecce homo. Com h minúsculo, claro!, pois sua alardeada humildade, orgulhosa humildade, não passa da velha humildade argentina.

domingo, 7 de setembro de 2014

Religião não é atraso. Laicismo não é progresso.

Não votaria em Marina Silva ainda que ela concorresse sozinha. Não gosto de seu messianismo. Não gosto daquele seu obamismo jeca. Não gosto de suas frases ininteligíveis. Mas uma parte dos esclarecidos parece gostar. Se essa parte for a maior, que venha Marina, a política que finge odiar a política.
Minha aversão ao que representa Marina Silva, no entanto, não me permite aderir às críticas segundo as quais montará um califado no Brasil. Ela não o fará. Todos têm convicção de que não o fará. Só que querem porque querem retirar do campo político algo que é político por excelência: a religião do povo. E o ataque a Marina é o meio atual de fazer isso.
Qualquer zumbi sabe que a laicidade estatal não quer dizer que a religião tenha de afastar-se das discussões políticas. Aliás, qualquer energúmeno tem plena consciência de que a política não se compõe de demonstrações silogistícas, mas de discursos persuasivos que levam os ouvintes para cá ou para lá. E por que tais discursos não poderiam considerar o que há de religioso no povo? Seus valores, suas crenças? Porque os jacobinos tardios querem impor a opinião de que religião é atraso; que o Estado tem de ser laico obrigatoriamente para que haja liberdade. Dois exemplos demonstram o erro que está implícito no raciocínio daqueles que criticam a religiosidade de Marina, pelo simples fato de ela confessar-se religiosa: um, o da Inglaterra, que é um estado – pasmem! – confessional; outro, o da China, que é um estado leigo. Quem tem dúvida sobre em qual desses países há mais liberdade, que compre uma passagem só de ida para a China, um belíssimo estado laico, gerido pelas regras científicas do marxismo orientalizado de Mao.

Àqueles que criticam Marina pela simples razão de ela confessar-se religiosa, digo o seguinte: deixem de ser bocós. Religião não é atraso. Laicismo não é progresso.