sábado, 28 de dezembro de 2013

Vargas Llosa e A civilização do espetáculo

Acabo de ler o livro de Mario Vargas Llosa em que ele analisa A civilização do espetáculo. Leitura interessante, porque é sempre bom entrar em contato com o pensamento de bons escritores, e considero Vargas Llosa um excelente romancista, mas, ao fim e ao cabo, de pouco proveito. De fato, sua análise acerta no secundário, mas erra no essencial.
Vargas Llosa acerta ao apontar um dado de facílima percepção, que é a decadência da cultura no ocidente judaico-cristão, a ponto de reclamar tal qual uma noviça do desprezo que lhe devotam os atuais donos da bola da crítica literária; críticos tão acostumados à banalidade do mundo virtual quanto desacostumados das leituras exigentes que fizeram do ocidente aquilo que  ele era até meados do século passado. Só que erra, e se equivoca muito, ao apontar as causas dessa débâcle.
De acordo com Vargas Llosa, a cultura ocidental decaiu em razão do aparecimento de novos meios de comunicação, como a televisão e a internet, os quais tornaram o pensamento um tanto rasteiro e imediatista. Isso, a influência desses novos instrumentos na mente das pessoas, ainda segundo Vargas Llosa, tornou-as incapazes de realizar análises mais profundas e exigentes, uma vez que hoje o que importaria seria o espetáculo, a bufonaria, o terra-a-terra, a banalidade da vida elevada à espetacularização em razão da criação de ídolos que na verdade só o são porque doam sua privacidade à saciedade de um público voraz por diversão, insaciável do que o diverte.
A mim me parece, no entanto, que tal análise só demonstra, e ouso dizer isso, um desconhecimento completo e absoluto da natureza humana, haja vista que desde que o mundo é mundo o homem medíocre regozija-se com a fofoca, com a intromissão em vida alheia, com o analisar dos pecados do outro. Quer essa intrusão se dê pela janela da comadre, quer se dê pela tela do computador. E, sinceramente, a cultura ocidental não decaiu em razão de as massas terem facilitado o acesso à pilhagem da privacidade alheia. O problema não é esse.
A cultura ocidental decaiu espetacularmente quando seus expoentes perderam a noção do absoluto, do observador onisciente, e Vargas Llosa é um exemplo eloquente disso, pois é um entusiasta da democracia relativista que hoje impera em nosso mundo ocidental, ao mesmo tempo em que contraditoriamente se nega a aceitar as consequências dessa ditadura do relativismo.
O que os grandes escritores citados por Vargas Llosa, como, por exemplo, Tolstoi e Dostoievski, Proust e Joyce, Mann e Goethe, o que esses luminares das letras têm em comum, e que não há no mundo hodierno?
Tais escritores têm sobre si a presença do eterno, e o que eles buscaram sempre foi a eternidade, e por isso suas obras não eram feitas para agradar ao homem-massa. Aspiravam à aprovação de um auditório seleto, composto por poucos porém capazes homens que pudessem compreender a si próprios e aos demais num tempo exterior ao tempo, num tempo fora do tempo.
A partir do momento em que os intelectuais deixaram de lado a noção do eterno, não mais almejaram a imortalidade, perderam-se em questões de pouca monta, em questiúnculas de somenos importância, equiparando-se ao homem-massa. Transmudaram-se em homem-massa. E como homens-massa haverão de ser tratados; justamente tratados.

E o que Vargas Llosa não admite, pois é um admirador do relativismo hoje imperante, é que o eterno jamais poderia contemplar verdades que se contrariam. O eterno é afinal uno. E só quem o quer pode ser julgado por ele. Só quem o almeja pode aspirar à eternidade, e não os julgamentos voláteis de quem aceita verdades relativas.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Novidades e novidadeiros

Àqueles que lerão as aproximadas seiscentas palavras escritas a seguir, segue um aviso. Singelo aviso de um amigo verdadeiro e sincero, que carrega a franqueza para todos os lugares aos quais porventura vá, a despeito de muito pouco gostar de sair de sua casa ou do pequeno escritório de advocacia que mantém com antigos colegas seus de faculdade. E esse caturrismo não se deve à coisa outra, senão à dificuldade que existe de levar para cá e para lá a traia de tereré. Bom, eis o aviso: nada do que está escrito é novo, pois não há nada de novo embaixo do sol ou acima dele. O que acima está é o eterno, e o eterno jamais poderá ser novo. E o que está abaixo contém em si a tendência ao eterno, de modo que também novo não poderá ser, pois o que tende ao eterno um dia tornar-se-á eternidade.
Desse modo, porque não há nada novo embaixo do sol nem acima dele, admiração causa o furdunço das sempre novas novidades no novíssimo mundo em que vivemos. Por que cargas d`água as pessoas gostam tanto do que supõem ser novo? Por que as ideias novas são tão apreciadas? Afinal, por que todos querem um mundo novo, se nem do velho conseguiram dar conta? Essas perguntas causam espanto, pois não há como saber se haveria alguém capaz de respondê-las satisfatoriamente.
O que de fato interessa é que novidade alguma há no mundo. As pessoas são o que são desde Adão, e não existe alteração na estrutura física ou psíquica delas que seja digna de nota. Nenhuma mulher deixou de parir um homem para parir um macaco. Nenhum macaco deixou de ser filho de uma macaca. E entre os homens  desde sempre há ladrões e honestos, os que gostam de mulheres e os que gostam de outros homens, mulheres confiáveis e outras nem tanto, santos e pecadores.
Logo, fácil é perceber que não existem mudanças ou novidades. O mundo lida, e parece não saber, com os mesmos problemas desde sua fundação. Só que o mais curioso não é isso; mas o fato de que ele sempre piora quando tentam mudar as pessoas por uma força exterior a elas próprias. Aí a coisa fica feia.
E fica tão feia que se pode dizer sem medo de errar que os novidadeiros são o mal do mundo. E o problema maior é que eles agora estão em todo lugar. Todos querem mudar o mundo, ainda que não o compreendam nem, portanto, saibam o que realmente haveria de ser alterado. Há-se de repetir: os novidadeiros sempre trazem tragédias com suas novidades, que novidades também não são, pois em todas as épocas e em todos os lugares sempre houve quem se achasse o luminar da humanidade, capaz de trazer aos pobres inocentes luzes suficientemente fortes para iluminar suas miseráveis existências. Eis algo que também se repete, e se repete por alimentar-se de seus restos, como um monstro que cresce ao ingerir seu próprio e cascudo rabo; o rabo do diabo.
Aliás, nem mesmo os discursos dos novidadeiros são novos. São sempre os mesmos, e deixam todos a pensar: meu Deus, como se chegou aqui sem que essa candeia iluminasse o caminho da humanidade?

Só que há um engano em tudo que foi dito e afirmado até agora. Há uma novidade que merece análise. Trata-se do número dos novidadeiros. Se antes eram dúzias, agora são milhões. E a novidade seria esta: a boçalidade, antes restrita ao círculo de poucos idiotas, tornou-se mercadoria farta num mundo cheio e orgulhoso de si, tão cheio e tão farto que não vê outra solução senão exterminar-se para se reconstruir sobre os restos do que foi o homem, talvez reconstruir-se como uma nova sociedade de orangotangos.