sábado, 17 de agosto de 2013

Uma entrevista ridícula do presidente da OAB - parte 1


Li a entrevista concedida pelo presidente nacional da OAB à revista Veja. Marcus Vinícius Coêlho não surpreendeu, pois disse as mesmas tolices que vêm sendo propaladas nos últimos anos pelos que o antecederam na hoje irrelevante presidência de uma instituição que não sabe aonde ir porque não sabe o que quer. É uma quantidade tal de bobagens, que a análise delas haverá de ser cindida. Por isso resolvi elaborá-la em três distintos artigos. Tratarei, no primeiro deles, da alardeada reforma política.

O que me causa espécie (Min. Lewandowski) é realmente a intrepidez com a qual pessoas ligadas aos atuais ocupantes do poder, e Marcus Vinícius Coêlho integra o rol dos apadrinhados de Sarney, buscam tudo alterar para que as coisas fiquem como estão, como diria a personagem principal do excelente romance de Tomasi di Lampedusa.

Marcus Vinícius propôs algumas coisas curiosas que alterariam profundamente as eleições, pois, de acordo com sua visão canhestra da realidade, além de torná-las mais limpas, proporcionariam condições iguais a todos os candidatos. A primeira delas é a proibição de que pessoas jurídicas doem dinheiro a partidos políticos ou aos próprios políticos. Depois, que a doação das pessoas físicas seja limitada a R$ 700,00. Uma terceira proposta consistiria na obrigação de o Tribunal Superior Eleitoral fixar o valor de gastos que cada legenda partidária teria com determinada campanha. Sobre a criminalização de algumas condutas listadas pelo presidente da OAB, nem comentarei. Passarei direto para a proposta de eleições legislativas em dois turnos, um para que se decidissem quantas cadeiras ficariam com quais partidos, e outro para que se elegessem aqueles que ocupariam essas cadeiras dentro dos partidos vencedores.
Sobre a proibição de empresas doarem dinheiro a políticos, eis o trecho da entrevista que interessa:
“A origem desse mal (refere-se à crise no modelo de representatividade, por ele próprio diagnosticada) está no sistema eleitoral, que estimula o caixa dois, que faz com que o candidato, salvo honrosas exceções, tenha uma relação imprópria com empresas. Isso gera um parlamentar eleito com vícios de origem, o que distorce a representação política. Na maioria das vezes, ele presta contas ao financiador, e não ao eleitor.
“O financiamento de campanha por empresas deve ser proibido.”

Meu Deus! Ao partir do pressuposto do qual o presidente da OAB dá largada ao seu raciocínio, fico aqui a imaginar os políticos brasileiros, todos tão bonzinhos e honestos, sendo corrompidos por empresários malvados. Esses políticos realmente são uns coitados!

O que de fato interessa é que não são as doações licitamente feitas por empresas que geram corrupção, ou o vício de origem que o presidente da OAB quer combater; mas as doações ilícitas. Será que o presidente da OAB é tão bobinho que não sabe distinguir uma coisa da outra?

Ora, ninguém faz caixa-dois com doações lícitas, mas só com o dinheiro recebido de fontes que não podem aparecer. Assim, e em sentido contrário ao que brada o presidente da OAB, só mesmo se todas as doações feitas por empresas a políticos ou aos partidos fossem declaradas é que o populacho teria condições de analisar, por si mesmo, se determinado político faz o que tem de fazer ou se é mera marionete do grupo de empresários que o ajudou a eleger-se.

Agora, num exercício imaginativo, vou rascunhar o quadro que se pintaria caso a proposta do presidente da OAB fosse acolhida. Quem é que tem mais chances de receber dinheiro ilícito? Os ocupantes do poder, que decidem quem fará esta ou aquela obra, que resolvem quem prestará este ou aquele serviço, ou os partidos de oposição? Hoje em dia, quem teria condições de receber dinheiro desviado de obras públicas para abarrotar seu caixa-dois? O PT ou o PSDB? O PMDB ou o combalido DEM?

Se se responder com sinceridade as perguntas acima feitas, chegar-se-á à conclusão óbvia de que os partidos que hoje ocupam o poder continuariam a ocupá-lo, pois teriam dinheiro sobrando no caixa-dois, dinheiro recebido de acertos feitos às escondidas com as empresas que prestam serviços ao governo ou realizam obras; enquanto os partidos de oposição minguariam sem um real, uma vez que, mesmo se todos os empresários brasileiros quisessem, não lhes poderiam doar nadica de nada.

Em outras palavras: é pressuposto da democracia, e só concebo a democracia como a representativa, que as pessoas físicas e jurídicas possam doar o que quiserem aos candidatos que escolherem.

E essa proposta, de impedir que empresas doem dinheiro a políticos ou a partidos, seria complementada pela impossibilidade de as pessoas físicas doarem mais de R$ 700,00!

Note-se aonde quer chegar a bondade do presidente da OAB.

Bom, se fosse tudo, estaria ruim. Mas o negócio é bem pior, porque o presidente da OAB quer que o TSE limite os gastos que cada partido terá com as eleições. Eu não entendi. O limite dos gastos seria o mesmo para todos os partidos? Ou seriam  limites diferentes? Se diferentes, quais os critérios para dar o limite de 1 ao PSDB e de 2 ao PMDB?

Trabalho então com a hipótese de o TSE fixar um só valor. Ou seja: todos os partidos teriam o mesmo teto. Bom, nesse cenário, os partidos que engordaram o caixa-dois, e só podem fazê-lo se já estão no poder, sairiam na frente, porque os adversários estariam duros.

Agora, se os gastos fossem limitados em tetos diferentes, imaginando que o PSB pudesse gastar 5, e o PT 30, quais seriam os critérios de distinção desses tetos? Se fosse a quantidade de parlamentares eleitos na última eleição, os partidos que a ganharam encastelar-se-iam no poder, uma vez que, além do caixa-dois, ainda teriam um limite de gasto maior do que os limites dados pelo TSE aos adversários. Ou seja: o que está ruim sempre pode piorar.

Por último, a proposta para que as eleições legislativas sejam feitas em duas etapas, “para baratear”. Seria a primeira vez na história da humanidade que duas eleições seriam mais baratas que uma, mas vamos lá.

A proposta do presidente da OAB é só a reformulação da proposta do PT para que as eleições legislativas sejam feitas por listas fechadas. Ou seja: os partidos escolheriam quem ganharia ou não as eleições. Só que a proposta do PT é mais honesta, por incrível que pareça, haja vista que, de acordo com ela, os partidos estabeleceriam uma ordem prévia de candidatos que seriam eleitos a depender da votação do partido que integram. A proposta do presidente da OAB quer que essa lista seja feita pelos próprios eleitores, depois de saber quantas vagas irão para cada partido. Em outro versar: numa segunda eleição, o povo decidiria quem comporia a lista do PT, do PSDB, do PMDB, de acordo com o número de cadeiras que cada um desses partidos houvesse recebido numa primeira eleição. Afora a confusão do método, pergunto-me a mim mesmo: Será que o presidente da OAB acha que, estabelecido que são três as vagas do PR para deputado federal em São Paulo, por exemplo, os caciques do partido ficarão de fora? Será que o PR, no caso do exemplo, não investirá tudo e mais um pouco para que seus chefes sejam os eleitos nessa segunda votação? Tenha santa paciência!


Pelas propostas feitas, com tanta intenção positiva, percebo uma coisa e nada mais: o presidente da OAB ocupa seu cargo, e frui o prestígio do qual ainda goza tal cargo, para puxar o saco de quem está no poder e trabalhar para que os atuais dirigentes permaneçam em Brasília per saecula saeculorum.