quinta-feira, 18 de abril de 2013

Petição simples mas interessante sobre responsabilidade tributária (desconsideração da personalidade jurídica?), tal qual vista pela Justiça do Trabalho


Sumário

 

I. Síntese necessária; II. A inexistência de responsabilidade dos sócios; III. Conclusão.

 

I. Síntese necessária

 

1. Em primeiro lugar, destaque-se algo curioso, que parece ter passado despercebido por aqueles que se achegaram ao processo até agora. O crédito atualmente executado é tributário, e não trabalhista. É bem verdade que decorre indiretamente de relação de emprego havida entre as partes originárias do processo principal (reclamante e reclamada), mas nem por isso perde sua natureza jurídica de tributo.
Com efeito, executa-se contribuição previdenciária devida pela empresa Furacão e Cia. Ltda., decorrente do reconhecimento de vínculo empregatício em sentença transitada em julgado.
Porque os bens sociais não foram suficientes para garantir a execução, penhorou-se dinheiro – exatamente R$ 129.999,97 (cento e vinte e nove mil, novecentos e noventa e nove reais e noventa e sete centavos) – encontrado na conta bancária da sócia da sociedade executada.
 
2. Mas por que a embargante traz isso à memória?
Ora, porque as relações tributárias não são regidas pelos mesmos princípio e regras que permeiam as relações trabalhistas. De fato, se nestas a desconsideração da personalidade jurídica pode decorrer (pode mesmo?[1]) do simples inadimplemento, no campo tributário as coisas se complicam um pouquinho, uma vez que a matéria é tratada pelo art. 135 do Código Tributário Nacional[2], por força do disposto no art. 146, inc. III, alínea b, da Constituição Federal[3].
 
3. Bom, no caso dos autos, sem qualquer alegação da União que pudesse justificar essa decisão (justificá-la juridicamente, de acordo com o art. 135 do CTN), desconsiderou-se a personalidade jurídica da sociedade empresarial que figura no polo passivo da execução, com o fito de incluir os sócios dela na lide – da qual nunca fizeram parte –, responsabilizando-os por débitos sociais.
 
4. Volte-se ao começo da conversa. Isso aqui não é execução de crédito trabalhista, mas execução de crédito tributário, ainda que sua exigência esteja procedimentalmente regulada pela CLT.
Logo, a matéria de fundo há de ser tratada em conformidade ao disposto no Código Tributário Nacional e Constituição Federal, e não por aquelas normas (ou pela interpretação que delas se faz) que regulam as relações trabalhistas.
 
II. A inexistência de responsabilidade dos sócios

 

5. Àqueles que se acostumaram às facilidades das execuções trabalhistas, em que nada se pergunta, nada se prova e nada se infere, pois o inadimplemento do crédito reclamado é tido e havido como suficiente para desconsiderar a personalidade jurídica das sociedades, principalmente se se tratar de uma maléfica sociedade empresarial, tudo o que será exposto aqui parecerá chato. Mas, no Estado de Direito é assim. Há um procedimento que deveria ser respeitado antes de se menoscabar a personalidade jurídica de determinada sociedade, para cobrar de seus sócios os tributos devidos por ela.
 
6. Quando os sócios de certa sociedade serão responsáveis pelas dívidas tributárias dela (da sociedade)?
De acordo com o mencionado e malbaratado art. 135 do Código Tributário Nacional, os gestores – e não todos os sócios – são responsáveis pelas dívidas tributárias da sociedade pelos atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei. E só. Não há outra hipótese. Não há interpretação capaz de estender os limites legais da responsabilidade dos sócios.
A consequência óbvia é que o simples inadimplemento não autoriza a responsabilização direta dos sócios por dívidas sociais.
 
7. É por isso que, em diversas vezes, o Superior Tribunal de Justiça[4] decidiu:
 
“Permitir o redirecionamento do executivo fiscal no caso de microempresas e empresas de pequeno porte sem a aplicação do normativo tributário é deturpar a intenção insculpida na Lei Complementar 123/2006: fomentar e favorecer as empresas inseridas neste contexto. Nesse sentido é que a Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.101.728/SP, submetido ao regime dos recursos repetitivos, reiterou o entendimento já sedimentado nesta Corte, no sentido que ‘a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios, prevista no art. 135 do CTN’.”
 
8. Noutro versar: para direcionar a execução de crédito tributário contra os sócios de determinada sociedade, o Estado haveria de demonstrar que tais sócios infringiram a lei ou contrato social.
E isso por meio dum processo administrativo instaurado com o fito de investigar tal desvio[5]!
Não basta, repita-se à exaustão, o simples inadimplemento. Há de haver mais, muito mais. Há de haver desvio de função no exercício da gerência, caracterizado por meio do descumprimento da lei ou do contrato social e comprovado em processo administrativo instaurado com a finalidade de apurar essa falta, nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional[6].
 
9. Às vezes se esquece de ler a lei. E, no caso, parece olvidado o art. 142 do Código Tributário Nacional, segundo o qual cabe à autoridade administrativa, privativamente, verificar a ocorrência do fato gerador e identificar o sujeito passivo do tributo no ato de lançamento.
Note-se, por obséquio, o advérbio usado pelo Código Tributário Nacional: privativamente!
Ora, se a identificação do sujeito passivo do tributo é atividade privativa da autoridade administrativa, que deverá apontá-lo no lançamento, ato com o qual tem início o processo administrativo tributário, é lógico que os administradores de certa sociedade só poderão figurar como responsáveis tributários depois de isso ser definitivamente estabelecido em processo administrativo destinado a tal fim. Antes, não. Nem que o Poder Judiciário queira, porque o lançamento é atividade privativa da autoridade administrativa – o que é o mesmo que dizer que não se estende ao juiz.
 
10. Porque não há razão que justifique o direcionamento da execução aos sócios da empresa executada, e, ainda que houvesse, porque tal pleito não se encontra amparado em prévio processo administrativo, a embargante há de ser declarada irresponsável pelas dívidas tributárias da sociedade que integra.
 
III. Conclusão

 

11. Diante do exposto, a embargante quer seja declarada irresponsável pelas dívidas tributárias da empresa Furacão e Cia. Ltda., nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional.
Por decorrência, requer lhe seja devolvido o valor injustamente retirado de sua conta, por meio de alvará expedido em seu próprio nome.
 
12. A embargante não produzirá provas em audiência, razão pela qual quer que os embargos à execução sejam julgados logo depois de colhida a manifestação da União – a qual deverá ser intimada a oferecê-la.
 
13. Dá à causa o valor de R$ 129.999,97 (cento e vinte e nove mil, novecentos e noventa e nove reais e noventa e sete centavos).

 
Campo Grande (MS), 18 de abril de 2013.

 

 

Tiago Bana Franco

OAB/MS 9.454



[1] Seria interessante repensar como as sociedades, principalmente as empresárias, vêm sendo tratadas pela Justiça do Trabalho, que simplesmente as desconsideram, desconsiderando também todo o ordenamento jurídico que se lhes aplica, para dar vazão ao lema do TST: 70 anos de justiça social! Como se o Poder Judiciário fosse responsável pela realização da justiça distributiva! Como se o Poder Judiciário não fosse o responsável pela justiça comutativa, que equivale a dar a cada um aquilo que é seu de acordo com as leis democraticamente votadas, mas estivesse incumbido de distribuir renda. Só que não vem ao caso discutir tal matéria agora. Fica só o registro de uma indignação (in)contida há muito tempo.

[2] Código Tributário Nacional:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” O grifo não consta no original.
[3] Constituição Federal:
“Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;” O grifo não consta no original.
[4] REsp 1216098/SC. 2ª Turma. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. DJe 31.05.2011.
[5] FRANCO, Tiago Bana. Aspectos processuais da ilegitimidade passiva e da responsabilidade dos sócios-gerentes de sociedades limitadas nas execuções fiscais. In GANDRA MARTINS, Ives e BRITO, Edvaldo. Doutrinas essenciais de Direito tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. IV, 2011.
[6] Código Tributário Nacional:
“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
“Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Bobama e Guantánamo


Recentemente li o comentário de um amigo no Facebook em que ele questionava por que os fulanos presos em Guantánamo ainda não haviam sido julgados.
Por que será que Obama não cumpre sua promessa de campanha e não permite que esses presos sejam julgados logo? O que o impede de fazer algo? Por que na pátria da liberdade há pessoas detidas sem direito ao devido processo legal?
Num curto espaço, como o é aquele dedicado aos comentários dos posts do Facebook, tentei explicar o que pretendo fazer agora com mais vagar.
O Presidente Obama é um amigo do Islã. E do Islã mais radical. Isso ninguém em sã consciência pode negar, uma vez que Mr. President apoiou todos os movimentos do norte da África que colocaram no poder dos países bafejados pela denominada Primavera Árabe  os filhos da Irmandade Muçulmana.
Tome-se o caso do Egito como exemplo.
É claro que o ex-presidente egípcio não era grande coisa, pois governava o país de modo ditatorial havia muitos anos. O que temos agora, porém?  Um ditador da Irmandade Muçulmana.
Ora, tirou-se um ditador e colocou-se outro. Só que o segundo é declaradamente antissemita e antiocidental, enquanto o primeiro mantinha relações próximas com Israel e EUA. Por sua vez, se se olhar o problema da ótica interna, tem-se que o ditador substituto é muito, muito pior que o substituído, pois tenta – e conseguirá – tornar o Egito um país regido pelas sharias islâmicas. O que acontecerá com os cristãos egípcios (uma das comunidades mais antigas do cristianismo, pois fundada pelo evangelista Marcos)? Certamente deixarão de existir como Igreja.
Noutro versar: o que a mídia puxa-saco vendeu como a libertação do Egito e dos demais países convulsionados pela Primavera Árabe não passava de uma vitória do radicalismo islâmico.
E tudo isso com o apoio dos EUA de Obama!
As simpatias de Obama pelo Islã e pela Irmandade Muçulmana não poderiam ser negadas, portanto.
Retome-se a pergunta: por que o atual presidente dos EUA não cumpre sua promessa e permite que os presos de Guantánamo sejam julgados de acordo com o devido processo legal?
Para analisar a questão, há-se de ter em mente que os prisioneiros foram capturados fora do território dos EUA e que não são cidadãos americanos. O que implica dizer que se lhes não aplicam as leis americanas.
Só que, como os prisioneiros também não integravam exércitos regulares, mas organizações terroristas, não há como julgá-los de acordo com as normas internacionais (Convenção se Genebra).
Há um vácuo legal que impede sejam os terroristas julgados, pois.
E, diante desse vazio normativo, de uma única coisa se tem certeza: nem mesmo o atual Presidente dos EUA teria colhão para soltar os terroristas islâmicos presos em Guantánamo, ainda que simpatize com eles.
É claro que isso será sempre uma mácula para os EUA. Só que é uma chaga imposta ao país que não tem condições de fazer coisa diferente do que aquela que vem fazendo. De fato, entre manter os terroristas presos em Guantánamo e soltá-los para que cometam novas atrocidades, ninguém tem dúvida (pelo menos ninguém tem coragem de externar dúvida): que fiquem presos!