sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Discussão com Luís Roberto Barroso

Prezado Dr. Tiago:

Tive oportunidade de ler, com mais vagar, seus comentários ao meu texto. Agradeço-lhe, em primeiro lugar, de coração, as retificações de digitação — e uma ou outra, gramatical mesmo —, que me foram de proveito. Registro, em segundo lugar, nossa afinidade quanto a antipatizarmos com a intolerância. A capacidade de reconhecer e apreciar o outro, nas suas diferenças, é um diferencial civilizatório.

Penso, igualmente, que a religião desempenha um papel muito relevante nas sociedades contemporâneas. E acho que a fé sincera, aliada à tolerância e aos bons sentimentos, são trunfos na vida. Portanto, também aqui não temos uma divergência significativa. O que acho, no entanto, é que o Estado — não as pessoas! -- deve ser laico. Vale dizer: não deve apoiar nem depender de qualquer religião. O que não significa ser contra, tampouco. Porém, nas instituições estatais, no debate público, os argumentos têm que ser laicos. O juiz de família não pode decidir: entrego a guarda dessa criança aos avós maternos, que são cristãos, e não aos avós paternos, que são judeus. Ou absolver alguém, sob a afirmação de que na Bíblia está dito ''olho por olho, dente por dente''. No espaço público deve prevalecer a razão pública, isto é, argumentos que possam ser compartilhados por todos, crentes e não crentes. Se não, cria-se um modelo de exclusão de alguns.

Fui socialista em outra época da minha vida. Hoje me considero mais um social-democrata. Mas há muitas formas e exemplos de socialismo democrático, praticado em diferentes partes do mundo, inclusive, em diversos momentos, na França e em Portugal, países de tradição católica. Tampouco alimento sentimentos de anticomunismo. Pelo contrário, há lugar no mundo para todas as ideias. Só teria intolerância para com as ideologias da violência.

A questão do aborto é moralmente controvertida em todo o mundo. Não há consenso sobre ela nem na minha casa. De modo que respeito a visão de que a vida começa na concepção. Como respeito as outras visões. A única solução que não aprecio é a que criminaliza uma das posições. Vale dizer: se você não é como eu ou não penso como eu, cadeia para você! Essa visão não tem minha adesão.

A questão da anencefalia, a meu ver, não envolve aborto. Veja que não existem crianças ou adultos anencefálicos. O caso da menina Marcela, segundo me afirmaram diversos médicos em audiência pública no STF, não era nem poderia ser anencefalia. Ali houve uma politização do diagnóstico. Ao contrário da questão do aborto, em que há múltiplas posições, em relação à anencefalia somente grupos religiosos foram contra. Isso não diminui a legitimidade do seu ponto de vista. Mas, de novo, não creio razoável que se considere criminosa a mulher que pense diferente e não deseje se submeter ao sofrimento.

Não tenho intenção de convencê-lo de nenhum dos meus argumentos. Escrevo-lhe apenas porque acredito que pessoas que têm visão de mundo diferentes podem dialogar e procurar comprender umas as outras.

Grato uma vez mais. Cordialmente, Luís Roberto Barroso

Luís Roberto Barroso & Associados

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Breves notas sobre a liberdade de manifestação do pensamento em escolas confessionais

Recentemente, veio à balha a história de um professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná que, em sala de aula, havia comparado a hóstia à maconha, dizendo: ...“a eucaristia é um baseado, que o padre vai passando de mão em mão… É uma droga lícita…".
Não me impressiona a existência de pessoas que tenham a capacidade de dizer coisa semelhante a esta, pois, se Deus foi generoso num ponto, o foi ao conceder ignorância quase ilimitada a certos indivíduos. Causou-me desconforto a resposta da própria PUC/PR, para quem: "A universidade é um lugar de debate e de discussões da ciência, que preza pelo pluralismo ético, filosófico e religioso, características que fazem parte do que é ser acadêmico”.
Sem sombra de dúvida, afirmo que a aludida declaração poderia ser feita por qualquer reitor do mundo, exceto por aqueles que dirigem instituições de ensino confessionais.
E isso, e aqui entro especificamente no ponto, porque as escolas confessionais têm... uma fé, ora bolas!
De fato, não é possível admitir que determinado professor da Escola Adventista, por exemplo, chegue à sala de aula e diga algo contrário à crença dos adventistas. Nem seria conveniente que numa escola judaica se permitisse que o professor pregasse ideias contrárias ao judaísmo. E assim por diante.
A liberdade de expressão vale da porta para fora. E não da porta para dentro. Da porta para dentro de uma escola católica valem os dogmas católicos! E quem não gostar que vá ministrar ou receber aula em outro lugar!
Confundem-se, ao se dizer que a liberdade de manifestação do pensamento garante esse tipo de comportamento (a liberdade de contrariar um dogma católico dentro de uma universidade católica), dois âmbitos da aplicação dos direitos fundamentais (aqui se trata do direito fundamental à liberdade de manifestação do pensamento). Mistura-se o direito que as pessoas têm de falar o que querem, desde que o façam num ambiente público, com aquele que elas não têm de manifestar opiniões contrárias às das instituições religiosas que bem ou mal representam e que lhes pagam os salários.
Ninguém é obrigado a ser católico. A despeito do que muitos desavisados dizem por aí, nem na Idade Média europeia se era. No entanto, se determinada pessoa se dispõe a ministrar aula numa instituição de ensino católica, é óbvio que haverá de atender ao requisito mínimo; qual seja: portar-se respeitosamente diante dos dogmas católicos.
Se quer falar mal da hóstia ou do Papa, que o faça! Fora da PUC/PR, claro! Que vá plantar suas ideias em outras terras!